quinta-feira, 30 de novembro de 2023

ATUALIDADE

 

Os Gays e a Igreja


Igor Precinoti - publicado em 30/11/23

Será que o papa está contrariando as Escrituras ao acolher gays e transexuais na Igreja? 

Muito se tem comentado a respeito das ações do Papa Francisco em relação público gay. Suas falas e atos, na maioria das vezes mal interpretadas ou retiradas de contexto, são um prato cheio para críticos que se sentem “mais católicos que o Papa” e para sites (bem ou mal-intencionados) que, sem conhecer o posicionamento real da Igreja sobre estas questões, acabam gerando manchetes que desinformam mais do que orientam.

Infelizmente, a desinformação sobre o verdadeiro posicionamento da Igreja a respeito deste tema gera confusão até mesmo nos católicos menos críticos, principalmente quando o Papa envia mensagens de acolhida ou simplesmente se recusa a julgar negativamente a comunidade LGBT em si.

Um novo capítulo nesta novela se deu com a divulgação de uma carta resposta do Dicasterium Pro Doctrina Fidei para a alguns questionamentos enviados a Roma por um Bispo brasileiro, informando, em seu conteúdo, dentre outras questões, que era lícito o batismo de transexuais. Para os críticos de plantão, estes são os “sinais dos tempos”.  “Onde já se viu, transexuais sendo batizados e o papa acolhendo homossexuais? A Igreja não pode ser condizente com o pecado!”. 

Será que o papa está contrariando as Escrituras ao acolher gays e transexuais na Igreja? 

Para entender responder a esta questão, é necessário conhecer o que a Igreja reconhece como pecado. E para isso vamos recorrer ao Catecismo: O pecado é “uma palavra, um ato ou um desejo contrários à lei eterna”. É uma ofensa a Deus. Levanta-se contra Deus por uma desobediência contrária à obediência de Cristo (Parágrafo 1871). Ou seja, o pecado é “verbo”. É consequência de uma ação. Ninguém é pecador apenas por nascer com determinada condição ou característica. Um indivíduo que nasceu gay, quando atingir a adolescência não terá nenhuma atração por pessoas do sexo oposto e sentirá amor e/ou atração somente por pessoas do mesmo sexo. Esta é uma condição inata, nenhum “tratamento” ou “forma de educação” vai mudar este fato.

Desta forma pode ser afirmado, com tranquilidade, que ser gay não é pecado. Em outras palavras, em uma sociedade hipotética onde o ato de comer chocolate fosse considerado pecado, gostar do sabor do chocolate não seria considerado pecado. O pecado não está no ser, mas sim no fazer. 

Apesar de a Igreja não entender o gay como um pecador, ela entende o sexo fora do casamento e o ato sexual entre pessoas do mesmo sexo como pecado, por isso recomenda a todos, tanto gays como héteros, uma vida casta. 

A Igreja entende e reconhece o amor entre duas pessoas do mesmo sexo, mas orienta que este amor não seja Eros (amor romântico), e sim Philia (amor de amigos). Esta orientação ao amor Philia, inclusive, já foi celebrado na Igreja Ortodoxa até o século XIX através da cerimônia de Adelphopoiesis (https://orthodoxhistory.org/2012/11/07/two-greek-youths-come-to-america-in-1823/). Uma cerimônia que comemora o amor entre dois amigos, tornando-os irmãos espirituais (pneumatikous adelphous). É importante frisar que este não é um “casamento gay”, mas sim, uma cerimônia que celebra e santifica o amor de amigos tornando-os irmãos.

Outro ponto a ser considerado é que a partir da análise das escrituras não é difícil entender que Jesus e seus Apóstolos, acolhiam e recebiam a todos em seu grupo, sem julgamentos ou restrições. 

“Todos os publicanos e pecadores aproximavam-se de Jesus para o escutar.” (Lc 15,1)

“Paulo permaneceu por dois anos inteiros no aposento alugado, e recebia a todos os que vinham procurá-lo. (Atos 28,30) 

Não seria este o movimento que o Papa Francisco está fazendo? Recebendo e acolhendo todas as almas, evitando pecar contra a caridade e oferecendo orientação espiritual e consolo àqueles que, muitas vezes, não encontram acolhida nem na família nem na sociedade? 

CURIOSIDADE

 

Hoje faz 755 anos que começou o conclave mais longo da história

Francisco Vêneto - publicado em 29/11/23

Levou quase 3 anos até que finalmente foi eleito o Papa Gregório X

Amaioria das pessoas, pelo menos nos países de tradição católica, sabe que um conclave é a reunião dos cardeais voltada a eleger o papa. O que nem todos sabem é que o nome “conclave” passou a ser usado justamente porque uma dessas eleições estava demorando tanto tempo que o governador local perdeu a paciência e resolver trancar os cardeais a chave até que escolhessem de uma bendita vez o novo pontífice. Dos termos latinos “cum” (com) e “clavis” (chave), nasceu então a palavra “conclave”.

E a impaciência não era de se estranhar: a Sé de Pedro, afinal, já fazia quase três anos que estava em vacância!

Era 29 de novembro de 1268 quando teve início aquele que viria a se tornar o conclave mais longo de todos os tempos: só terminaria em 1º de setembro de… 1271, quase três anos depois, quando finalmente saiu eleito o Papa Gregório X. Tinham-se passado inacreditáveis 34 meses.

A Enciclopédia Católica registra que os cardeais estavam reunidos não em Roma, e sim em Viterbo, e se dividiam em dois grupos: os franceses e os italianos. Nenhum dos grupos conseguia a maioria de dois terços – mas também nenhum queria ceder ao outro grupo.

Depois que o governador de Viterbo mandou trancá-los no palácio episcopal – e até mesmo cortar o fornecimento de comida para eles -, as decisões começaram a andar mais rápido. A Enciclopédia Católica prossegue:

“Chegou-se a um consenso, graças aos grandes esforços dos reis da Sicília e da França. O Sacro Colégio, então composto por 15 cardeais, escolheu seis para entrarem num acordo e emitirem o voto final. Os seis delegados se reuniram em 1º de setembro de 1271 e uniram os votos, elegendo Teobaldo Visconti, arquidiácono de Liège, que não era cardeal e nem sequer sacerdote”.

De fato, o novo papa nem estava na Itália quando foi eleito. Ele acompanhava o príncipe Eduardo, da Inglaterra, em peregrinação à Terra Santa. Já estava em Acre, cidade hoje situada em território israelense, próxima do Monte Carmelo, quando recebeu o chamado dos cardeais para retornar imediatamente.

Mas quem era Teobaldo Visconti? Italiano nascido em Piacenza, ele havia passado um tempo a serviço do cardeal Jacobo de Palestrina antes de ser nomeado arquidiácono de Liège. Em seguida, acompanhou o cardeal Ottoboni em uma missão à Inglaterra – e foi por isso que acabou acompanhando o príncipe na comitiva rumo a Jerusalém.

Convocado de volta à Itália, o papa eleito iniciou o seu retorno da Terra Santa em 19 de novembro de 1271 e só foi chegar a Viterbo em 12 de fevereiro do ano seguinte, quando aceitou a dignidade pontifícia e adotou o nome de Gregório X.

A título de complementaridade histórica: o conclave oposto a esse em termos de duração aconteceu em 1503: só levou algumas horas para os cardeais elegerem o Papa Júlio II.


ESPIRITUALIDADE

 

Por que Cristo nos repreende?


Pe. José Eduardo - Reportagem local - publicado em 29/11/23

Por trás de cada repreensão de Cristo jaz um profundo ato de amor pelo homem, concretizado no esforço de reconduzi-lo à verdade

Há passagens nos Evangelhos que impactam pela dureza com que Jesus se dirige aos Seus seguidores – e é preciso saber ler a sua essência para não ficar apenas nas aparências.

O pe. José Eduardo de Oliveira comentou sobre isso em sua rede social:

“Por trás de cada repreensão de Cristo jaz um profundo ato de amor pelo homem, concretizado no esforço de reconduzi-lo à verdade.

Lamentavelmente, a soberba espiritual é um estado de surdez, de cegueira, que impede a alma de enxergar a trave do próprio olho, mesmo quando repreendida, enquanto julga milimetricamente todo tipo de pecado alheio; é uma espécie de adolescência espiritual, misto de orgulho e imaturidade”.

O sacerdote brasileiro completa:

“As pessoas experientes, porém, dizem coisas do tipo: ‘enquanto meu pai me corrigia, eu murmurava; mas hoje sei que ele estava certo e só o fazia porque me amava’. De fato, como diz a Escritura: ‘nenhuma correção parece ser motivo de alegria no momento, mas sim de tristeza. Mais tarde, porém, produz fruto de justiça e paz para aqueles que por ela foram exercitados’ (Hb 12,11)”.

LITURGIA DIÁRIA

 Evangelho de 30 de novembro: Santo André

Comentário ao Evangelho da Festa de Sto. André, Apóstolo. «Eles deixaram logo as redes e seguiram-n’O». A vida de Sto. André não foi como ele esperava, como ele previa: foi muito mais feliz. Isso mesmo poderá acontecer-nos a nós, se nos decidimos a seguir o Senhor a fundo, sem querer controlar tudo e sem decidirmos nós o final.


Evangelho (Mt 4, 18-22)

Caminhando Jesus ao longo do mar da Galileia, viu dois irmãos: Simão, chamado Pedro, e seu irmão André, que lançavam as redes ao mar, pois eram pescadores. Disse-lhes Jesus:

«Vinde e segui-Me e farei de vós pescadores de homens».

Eles deixaram logo as redes e seguiram-n’O. Um pouco mais adiante, viu outros dois irmãos: Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João, que estavam no barco, na companhia de seu pai Zebedeu, a consertar as redes. Jesus chamou-os e eles, deixando o barco e o pai, seguiram-n’O.


Comentário

O dia tinha começado como qualquer um. André, juntamente com o seu irmão e outros colegas pescadores, estavam imersos na esgotante faina que trazia o sustento às suas famílias. Estavam, como sempre, a deitar as redes ao mar, à espera de que os peixes entrassem na rede. Porém, desta vez, a história que tinha começado como a de todos os dias, terminaria de um modo muito diferente.

Aí, no seu trabalho, em pleno mar da Galileia, André recebeu uma chamada atraente, mas incerta: Jesus passou e convidou-o a ser pescador de homens. Sem mais detalhes, sem mais especificações. Não lhe disse, nem como seria a sua vida, nem como seria a sua morte. O Senhor pediu-lhe que estivesse a seu lado, e pouco a pouco, ao calor do amor do seu Coração, foi-o formando para ser capaz também de compartilhar o seu destino.

Assim terminou a história: Sto. André abraçou com desejo ardente a mesma Cruz que a do seu Mestre. Nada que se parecesse com o que anos antes, no mar da Galileia, o jovem pescador teria podido imaginar.

Considerar assim, com perspetiva, a vida de Sto. André, desde a sua chamada até à sua morte na cruz, pode ajudar-nos a aprofundar na consciência de que os planos de Deus estão perfeitamente alinhados com o nosso desejo de felicidade. Seguramente, se nesse dia de pesca Jesus tivesse anunciado a André que ia morrer numa cruz, aquele homem teria desfalecido. Contudo, com o passar dos anos, vemo-lo audaz e apaixonado, desejoso de abraçar essa fonte de dor, que para ele era fonte de felicidade, como reflete o testemunho maravilhoso que nos ficou com o seu hino à cruz[1].

Os planos de Deus estão perfeitamente alinhados com o nosso desejo de felicidade, dizíamos. No entanto, a experiência dos apóstolos mostra-nos que, para que essa felicidade se realize, precisamos de abandonar-nos verdadeiramente no Senhor e deixar de forçá-lo a escrever a história como nos parece. A vida de Sto. André não foi como ele esperava, como previa: foi muito mais feliz.

Isto mesmo poderá suceder-nos, se nos decidimos a seguir o Senhor a fundo, sem querer controlar tudo e sem decidirmos nós o final. Se seguimos Jesus, a nossa vida não será como a vislumbrámos: será muito melhor. Mesmo que aconteçam coisas que nos pareçam impensáveis, mesmo que o Senhor nos peça coisas que neste momento nos parecem inéditas.

Deus cumpre as suas promessas (cf. 1Cor 1, 9), e a nós prometeu que faremos obras cujo alcance não podemos imaginar, porque inclusive poderemos fazer obras maiores que as d'Ele (cf. Jo 14, 12). Mas isso requer da nossa parte, como fez André, deixar para trás a segurança do que é conhecido, para seguir Aquele que nos ama.

quarta-feira, 29 de novembro de 2023

RELIGIÃO

 

Intenção de oração: Papa Francisco reza pelas pessoas com deficiência

Reportagem local - publicado em 28/11/23

No Vídeo do Papa de dezembro, Papa Francisco pede para rezar pelas pessoas portadoras de deficiência para que “estejam no centro de atenção da sociedade”

    “Há necessidade de programas e iniciativas que favoreçam a inclusão”, diz o Papa Francisco na edição do mês de dezembro de O Vídeo do Papa no qual convida a rezar pelas pessoas com deficiência. Através da Rede Mundial de Oração do Papa, o Santo Padre pede “para que as pessoas portadoras de deficiência estejam no centro de atenção da sociedade, e as instituições promovam programas de inclusão que valorizem a sua participação ativa”. 

    Esta intenção de oração coincide com o mês em que a ONU estabeleceu o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência (3 de dezembro) com o objetivo de promover seus direitos e bem estar. O Papa Francisco insiste no conceito de “capacidades diferentes” para reforçar a grande contribuição que pode trazer à sociedade, a plena inclusão e a valorização dos mais frágeis.

    Assim revelam as imagens que acompanham suas palavras no Vídeo: histórias diferentes, unidas pela capacidade de valorizar o talento das pessoas com deficiência. Desde os atletas paraolímpicos que desafiam com êxito seus própios limites nas diversas competições internacionais, até os amigos da Comunidade Santo Egídio, em Roma, que pintam obras de arte ou servem as mesas de uma pizzaria; desde o jesuíta com deficiência visual, teólogo na Austrália, até a freira com síndrome de down comprometida em Lourdes, que participaram na Assembleia Geral do Sínodo e estão comprometidos com a campanha #IamChurch do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida. O Vídeo do Papa deste mês – feito em colaboração com o Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral– é um canto à vida mesma, bem como um forte convite a mudar nossa forma de pensar.

    A sociedade e a Igreja

    No mundo atual, denuncia o Papa Francisco, muitas pessoas com deficiência “sofrem rejeição, baseada na ignorância ou baseada nos preconceitos, que as transformam em marginalizadas”. Portanto, chegou a hora de “mudar um pouco nossa mentalidade para abrirmo-nos às contribuições e aos talentos dessas pessoas com capacidades diferentes, tanto na sociedade como dentro da vida eclesial”. O Papa pede às instituições civis que apoiem os projetos das pessoas com deficiência “com acessibilidade à educação, ao emprego e aos espaços onde possam exprimir sua criatividade” e com “iniciativas que favoreçam a inclusão”. A Igreja, não deve apenas limitar-se a “eliminar as barreiras físicas, mas também assumir que temos que deixar de falar de ‘eles’ e passar a falar de ‘nós’”. A todos, pede e insiste que “há necessidade de grandes corações que queiram acompanhar”.

    Um olhar mais profundo

    Cardeal Michael Czerny, Prefeito do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, falando a propósito do vídeo do Papa do mês de dezembro, acrescenta: “O convite do Papa para acolher as pessoas portadoras de deficiência na vida da Igreja e da sociedade é uma grande ajuda para reconhecer o mistério que é cada pessoa. Jesus se encontrou com pessoas marcadas pela fragilidade física, psíquica e espiritual, e viu nelas beleza e promessa. Assim, perceberam em Jesus o mistério divino, sentiram a presença daquele que salva, daquele que é Pai. Em um mundo onde a produtividade parece ser mais importante que o ser humano e a beleza se circunscreve dentro de padrões comerciais, a comunidade cristã que reza ganha um olhar mais profundo e livre. A Igreja não nega a ninguém a participação, a Palavra e os Sacramentos, mas partilha com cada pessoa o caminho adequado. Nossas sociedades, frequentemente pouco inclusivas, precisam assumir um compromisso comum e concreto para que, seguindo o exemplo de Jesus, possam respeitar a dignidade de todos para fazer crescer a fraternidade”. 

    A inclusão, a rocha sobre a qual devemos construir

    Padre Frédéric Fornos S.J., Diretor Internacional da Rede Mundial de Oração do Papa, reforça o convite do Papa Francisco: “O foco da intenção de oração do Papa deste mês é promover a participação ativa das pessoas com deficiência, construindo programas e iniciativas para que ninguém seja excluído, para que sejam apoiados, acolhidos, integrados e reconhecidos pela sociedade. É o que fazia Jesus, acolhia a todos e com Ele ninguém se sentia excluído. Nós sabemos disso, porém temos dificuldade em viver assim, por isso precisamos rezar, pedir uma mudança de mentalidade, de olhar, começando por nós mesmos. É assim, nos diz o Papa, que podemos “abrirmo-nos às contribuições e aos talentos dessas pessoas com capacidades diferentes, tanto na sociedade como dentro da vida eclesial”.



    RELIGIÃO

     

    Deus não manda ninguém para o inferno

    Reportagem local - publicado em 11/01/18

    E, no entanto, Jesus Cristo e a doutrina cristã afirmam que o inferno existe. Como é que "funciona", afinal?

    Muitas pessoas, inclusive entre as que se consideram cristãs, afirmam que não acreditam na existência do inferno. A grande maioria delas não acredita porque nunca recebeu uma explicação adequada do que é o inferno.

    De modo semelhante, a mesma falta de explicação adequada gera entendimentos errôneos entre aqueles que acreditam na sua existência. E, entre estes, um dos erros mais frequentes é o de achar que seria Deus quem manda pessoas para o fogo eterno.

    Não é.

    A revista católica “Pergunte e Responderemos” tratou do assunto em sua edição número 3, de julho de 1957, na páginas 10 a 12. Reproduzimos um trecho:

    É frequente conceber-se o inferno como castigo que Deus inflige de maneira mais ou menos arbitrária, como se desejasse impor-se vingativamente como Soberano Senhor; o réprobo seria atormentado maldosamente por demônios de chifres horrendos, em meio a um incêndio de chamas e por aí afora. Não admira que muitos julguem tais concepções inventadas apenas para incutir medo; não seriam compatíveis com a noção de um Deus Bom. Na verdade, o inferno não é mais do que a consequência lógica de um ato que o homem realiza de maneira consciente e deliberada aqui na terra: é o indivíduo quem se coloca no inferno. O inferno vem a ser primariamente um estado de alma; seria vão preocupar-se com a sua “topografia”. Não é Deus quem, por efeito de um decreto arbitrário, manda para lá a criatura. Admitamos que um homem nesta vida conceba ódio a Deus (ou ao Bem que ele julgue ser o Fim último, Deus) e O ofenda em matéria grave, empenhando toda a sua personalidade (com pleno conhecimento de causa e liberdade de arbítrio); essa criatura se coloca num estado de habitual aversão ao Senhor. Caso morra nessas condições, sem se retratar do ódio ao Sumo Bem, nem sequer no seu íntimo, que sorte lhe há de tocar? A morte confirmará definitivamente nessa alma o ódio de Deus, pois a separará do corpo, que é o instrumento mediante o qual ela, segundo a sua natureza, concebe ou muda suas disposições. Depois da morte, tal criatura de modo nenhum poderá desejar permanecer na presença de Deus; antes, espontaneamente, quererá afastar-se d’Ele. Não será necessário que, para isto, o Juiz supremo pronuncie alguma sentença. O Senhor apenas reconhecerá, da sua parte, a opção tomada pela criatura. Ele a fez livre e respeitará esta dignidade, sem forçar ou mutilar em hipótese nenhuma o seu livre arbítrio. Eis, porém, que desejar afastar-se de Deus, e permanecer de fato afastada, vem a ser, para a alma humana, o mais cruciante dos tormentos. Com efeito, toda criatura é essencialmente ligada ao Criador, do qual reflete uma imagem ou semelhança; por conseguinte, ela tende, por sua própria essência, a se conformar ao seu Exemplar (é a natureza quem o pede, antecedentemente a qualquer opção da vontade livre). Quando o homem segue esta propensão, ele obtém a sua perfeição e felicidade. Caso, porém, ele se recuse, a fim de servir a si mesmo, não pode deixar de experimentar os protestos espontâneos e veementíssimos da natureza violentada. A existência humana torna-se então dilacerada: o pecador sente, até nas mais recônditas profundezas do seu ser, o brado para Deus. Esse brado, no entanto, ele o sufocou e sufoca para aderir a um fim inadequado, fim que ele não quer largar apesar do terrível tormento que a sua atitude lhe causa. Na vida presente, a dor que o ódio ao Sumo Bem acarreta pode ser temperada pela conversão a bens aparentes, mas precários; pela auto-ilusão; já na vida futura não haverá possibilidade de engano! É nisto que consiste primariamente o inferno. Vê-se que se trata de uma pena infligida pela ordem mesma das coisas, não de uma punição especialmente escolhida , entre muitas outras, por um Deus que quisesse “vingar-se” da criatura. Em última análise, no inferno só há indivíduos que nele querem permanecer. A este tormento espiritual se acrescenta no inferno uma pena física, geralmente designada pelo nome de fogo; um sofrimento que as demais criaturas acarretam para o réprobo, e acarretam muito naturalmente. Sim; quem se incompatibiliza com o Criador não pode deixar de se incompatibilizar com as criaturas, mesmo com as que igualmente se afastaram de Deus (o pecador é essencialmente egocêntrico), de sorte que os outros seres criados postos na presença do réprobo vêm a constituir para este uma autêntica tortura (não se poderia, porém, precisar em que consiste tal tormento). Por último, entende-se que o inferno não tenha fim: há de ser tão duradouro quanto a alma humana, a qual, por sua natureza, é imortal. Deus não lhe retira a existência que lhe deu e que, em si considerada, é grande perfeição. Embora infeliz, o réprobo não destoa no conjunto da criação, pois, por sua dor mesma, ele proclama que Deus é a Suma Perfeição, da qual ele se alheou (é preciso que nos lembremos bem: Deus, e não o homem, é o centro do mundo). Não se pense em nova “chance” ou reencarnação neste mundo. Esta, de certo modo, suporia que Deus não leva a sério as decisões que o homem toma, empenhando toda a sua personalidade; o Senhor não trata o homem como criança que não merece respeito. De resto, a reencarnação é explicitamente excluída por uma gama de textos da Sagrada Escritura. Eis a autêntica noção do inferno, que às vezes é encoberta por descrições demasiado infantis e fantasistas.


    RELIGIÃO

     

    Se Cristo já nos salvou, existe mesmo algum risco de irmos para o inferno?

    Pe. Cido Pereira - Reportagem local - publicado em 28/11/23

    Leitor pergunta e o pe. Cido responde

    Ope. Cido Pereira, que responde regularmente às dúvidas de leitores do portal O São Paulo, recebeu neste mês a seguinte pergunta:

    “Se Jesus remiu nossos pecados, como o homem ainda pode ir para o inferno?”.

    O sacerdote então resumiu:

    “Cristo remiu nossos pecados. Mas esta salvação de Jesus, embora gratuita, nos é oferecida e nós podemos aceitá-la ou recusá-la”.

    E reforçou:

    “Salvo engano, Santo Agostinho afirmou certa vez: ‘Aquele que nos criou sem nossa ajuda, não nos salva sem nosso consentimento’. Legal esta frase, não é mesmo? E ela exprime a verdade sobre a salvação, que é gratuita. Jesus não nos salvou por nosso merecimento, mas por sua infinita misericórdia. Mas nós podemos recusar a salvação, fazer por não merecê-la, podemos livremente fechar nosso coração a ela”.

    O pe. Cido prosseguiu:

    “A recusa da salvação se expressa claramente no pecado, que, de uma forma bem simples, podemos definir como um ‘não’ livre e consciente a Deus.

    Quando nós somos batizados, somos perdoados de todos os pecados. Tornamo-nos novas criaturas. Mas Jesus sabia que nossa fragilidade humana é imensa e que muitas vezes iríamos pecar.

    Por isso, Ele instituiu o sacramento da Penitência, para reavermos a graça de Deus perdida com nossos pecados. É bom pensar no ‘inferno’ como a solidão infinita, o distanciamento do Deus de Amor. Mas é bom pensarmos, também e sempre, que a misericórdia de Deus é infinita e que o nosso constante voltar-nos para Ele nos recoloca no caminho de Deus, no caminho do céu”.